sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Aproveitando o Dia dos Pais

Semana passada, estive em uma clínica geriátrica. Fui com meu pai, minha mãe e meu irmão. Tocamos o interfone e uma moça, com voz despreocupada, perguntou quem era. Ao ouvir o nome do meu pai, nos deixou entrar. Chegamos a uma ampla recepção - ampla considerando a maioria das recepções que são pequeníssimas e com mais revistas do que assentos. A moça que nos havia atendido no interfone pediu que esperássemos. Sentamos em um sofá que dava de frente para uma poltrona onde havia um casal de bonecos idosos que era de se encantar. A atenção de nós quatro estava fixada naqueles bonecos um tanto mal ajeitados na poltrona. Me levantei e tentei arrumar melhor, o que, vindo de uma pessoa desajeitada como eu, não resultou em nada. Foi meu pai quem tomou meu lugar e os colocou em uma posição melhor. Ficamos admirando. Mais ainda eu, que sou apaixonada por velhinhos!
Uma moça nos chamou para ajudá-la do outro lado da porta. E lá estava ele. Meus olhos, mesmo ainda sem vê-lo por completo, se encheram de lágrimas, engolidas na mesma fração de segundos. Não ia querer que meu avô me visse chorando. Mesmo ele não lembrando quem eu era por causa daquela droga de Alzheimer, ele perguntaria pelo choro. Eu não gostaria de explicar.
Aqui eu explico.
Meu quase choro foi de susto, de espanto, pasmo! - encontre todos os sinônimos pra essas palavras que elas traduzirão o que senti. Fazia pouco menos de 6 meses que não via meu avô por causa da distância que nos separa. E na última vez eu estava na casa dele, com ele falando meu nome, andando tranquilamente pelos cômodos e conversando sem a menor dificuldade. 6 meses depois preciso ir à uma clínica para visitá-lo e ter a vontade de chorar por nem precisar ver seu rosto, mas só pelo fato de uma das enfermeiras nos chamar para ajudá-lo a andar até onde estávamos.

Como assim?

- Meu avô uns 10 quilos mais magro?
- Meu avô se arrastanto para andar?
- Meu avô tremendo a boca pra falar?
- Meu avô com a língua pra fora como se fosse uma criança pedindo comida?
- Meu avô esquecendo as palavras?
- Meu avô esquecendo os parentes?
- Meu avô querendo pedir água aos bonecos na nossa frente pensando que eram pessoas?
- Meu avô achando que eu fosse uma das enfermeiras?

Ah, meu avô... que durante a sua vida foi um militar extremamente rígido (e encho a boca pra falar que ele chegou a ser motorista de Getúlio Vargas); que sempre tentou fazer tudo que pra ele parecesse a maneira mais correta, no pensar, no falar, no andar, no agir; que sempre foi estudioso, inteligente, interessado; que sempre foi dono de respostas coesas e indagações pertinentes; que descobriu na igreja o único lugar para reconfortar sua alma; que sempre se preocupou com sua família grande de 8 filhos mesmo sem muito sentimentalismo (a profissão influenciava nessa exposição sentimental).
Mas ele aprendeu, com os anos, a amolecer o coração que mais parecia um recruta no quartel, mostrando o pai, o avô e, já, bisavô amoroso que verdadeiramente é.
Com tudo aquilo passando na minha cabeça ao mesmo tempo, eu tinha o meu sorriso mais sincero no rosto ao conversar com ele. Disse que era sua neta e tive o maior orgulho em relembrá-lo de que meus olhos verdes eram total herança dele. Me respondeu meio rabugento que era mentira. Eu garanti que eram e ele riu.
Se eu estava daquela maneira, parei pra pensar no meu pai, ali, envolvendo meu avô, seu pai, durante todo o momento. Certamente, muito pior pra ele do que pra mim. E ele chorou, de maneira um tanto despercebida, mas chorou. Foi rápido. Coisa raríssima de se ver. Conto nos dedos as vezes que vi meu pai chorar.

- Quem diria, dois tipos de pessoas "duronas" ali na minha frente, tão vulneráveis quanto nunca.
Pai e filho ... e filha.

Como a vida é frágil. Como tudo pode mudar de maneira tão inesperada.
Sinto saudade daquele "ô, minha neta" que ele sempre costumava dizer, porque sei que não vou ouvir de novo. Sinto saudade de ver aquela estante cheia de livros e fitas cassetes na sala dele - tudo anotado e enumerado em seu caderninho. Sinto saudade dele sendo como ele, sem uma doença degenerativa atrapalhando o caminho.
Bem, eu, sinceramente, descanso em Deus e deixo a vida caminhar como deve.

Termino meu texto - desabafo - com a frase que ele mesmo usou, surpreendendo a todos, quando estávamos nos despedindo:

- Foi um prazer incomensurável ter vocês aqui!

(orgulho de neta)


Viviane Botelho

4 comentários:

  1. eu conheço essa dor e esse espanto... como é o sentimento na primeira vez que seu avô ou sua avó esquecem o seu nome, o nome do seu pai, da sua mãe... conheço como me conheço. :~

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  2. Não sei como deve ser se sentir assim.. Mas meus olhos se enxeram de lágrimas enquanto eu lia!

    E ah, estou te seguindo agora! hehe beijos Vivi!

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  3. Muito comovente o fato, muitas vezes pensamos que o problema não chegará a nós, e quando percemos está muito mais perto do que devia estar :/

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  4. Me senti uma menininha lendo esse texto, caceta, vei.

    Admira-me a tua sinceridade de conseguir sorrir para o teu avô e não pra um idoso com Alzheimer. Diferente de mim, há três anos, que não tive coragem de visitar meu avô, pai do meu pai, dias antes de sua morte, por achar que a imagem dele internado e "entubado" seria além do chocante, pra mim. Egoísmo esse que resultou na dor de imaginar que talvez ele só quisesse poder falar que queria me ver, ao saber, do meu pai, que ele sempre dizia que eu era seu neto preferido.

    Caceta, Viviane, quanto mais eu te leio, mais tenho convicção no teu sucesso na área. NA MORAAAL, VÉÉI, cê descreve tudo tão bem. aeuhaeuheaae

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