quarta-feira, 23 de junho de 2010

Parte II - Atrás do balcão

e acima de duas prateleiras abarrotadas dos mais variados tipos de garrafas e bebidas, estava o relógio verde de pequenas luzes internas e do ponteiro de movimento ininterrupto, no qual a menina reparou haver passado umas quatro horas desde que chegaram. Eram quase dez horas da noite, e ela, que sempre tão animada, estava quieta, perdida em seus pensamentos e frustrações e desgostosa cada vez que o nome daquele menino perpassava em sua mente ou, simplesmente, quando era citado a mesa. Ela queria terminar bem a noite com os amigos que mal via, mas quando um deles, já fora de si, não acertava a cerveja em seu copo e era motivo de gargalhadas, o máximo que conseguiu foi mostrar um pequeno sorriso de lado com suas famosas covinhas que davam o ar angelical de seu rosto.
- Que idiota! Não sabe beber, toma leite, animal. - Reclamou Sandro com seu tom grosseiro habitual. Era o mais sarcástico, metido a rico e arrogante do grupo com sua pose de superior. Pose que todos os amigos relevavam, porque achavam fútil demais. Vivia reclamando dos outros e insatisfeito com quase tudo. Mas sabia fazer uma boa piada irônica.
- Ih, relaxa aí, ele tá se divertindo, diferente de você que é igual uma lady bêbado, cheio de não-me-toques. Uii, Sandrinhozinho! - Debochou Robson, e os amigos o acompanharam rindo. Ele adorava implicar com Sandro por se achar tão acima de tudo. Implicava principalmente com aquele cabelo escuro dele, jogado de lado. Achava ridícula a mania dele de seguir modinha. Adorava ser daquele jeito despojado, em que roupa boa era qualquer uma que lhe caísse bem. E o cabelo, qualquer pente resolvia.
- É que tenho a capacidade de me comportar, mesmo embriagado. Coisa que eu acho difícil de você conseguir um dia.
- Ah, cala boca!
Sandro apenas ergueu uma de suas sobrancelhas ao ouvir essa resposta e virou com cara de nojo como se todos fossem insetos.
-Parô, ô gente. Para de bri-brigar por causa de eu - Disse (ou pelo menos tentou dizer) Gabriel com seus olhos vermelhos e entreabertos, consequentes do excesso de álcool. - Eu amo todos vocês. Vocês tudo são meus amigos do peito. Não tem que brigar coisíssima nenhuma. Nenhuminha mesmo! - Foi o ápice das risadas.
- Começou a pagação de mico - Disse Sandro enfadado.
- Ih, alá! Acho que o Gabriel falou errado - Disse Gustavo, o bonitão.
- Jura, Gustavo? - ironizou Sandro.
- Mermão, você é a última pessoa que pode dizer que alguém falou errado - Falou Robson, colocando a mão no ombro de Gustavo em um consolo cínico. Este o empurrou de mau humor. Todos sabiam da fama de Gustavo de sempre tropeçar no português. Era lindo, mas uma porta. O que tinha de belo, tinha de burro. Para ele era o suficiente, não precisava de muita inteligência para o que mais gostava de fazer: ficar com as menininhas nas festas.
- Alguém quer brincar de purrinha? - Quem falou foi André, um moreno baixinho que não via tempo ruim nunca e sempre animava o pessoal para tudo. Se não fosse por ele, não estariam todos ali, naquela noite.
- Ah não, chega! A gente só faz isso! Já jogamos cinco vezes, André. - reclamou Daniel, seu irmão dois anos mais novo. Ele havia sido "agregado" ao grupo por estar sempre na cola do irmão. Era o típico irmão mais novo e mais bonito. Até porque, André não era lá grande coisa. Tinha muito mais de divertimento e inteligência do que de beleza.
- Fica na sua, Daniel. Não foi pra você que fiz a pergunta.
- Po, André, mas já encheu o saco mesmo. - Disse Robson.
- Viu, se ferra aí, maninho.
- Cala a boca, pirralho! Quer jogar, Ivie? Tá toda quieta.
- Ela tá é ficando no brilho. - Sandro falou rindo.
- Vamo mudar de jogo, né? E eu só to cansada, Sandro - Disse ela com uma careta para Sandro. E queria continuar quieta mesmo. Estava entediada e nem fazia força para se animar. Ficar pensando muito no menino que era a sua interrogação sempre a deixava um pouco entorpecida.
- Dudu, e você? Vai querer jogar? - Ivie estremeceu pela milésima vez ao ouvir esse nome - Dudu?
- Hã? Oi! Ah, não. Nem quero não.
- Tá nadando no catchup, cara. - disse Gustavo à Dudu.
- Que pessoa antiquada. - murmurou Sandro, referindo-se à Gustavo.
- Não enche, Sandrinho lady. - replicou Gustavo.
- Perdeu, playboy! - Falou Robson para André.
- E acho que nem adianta perguntar pra mim, muito menos pro lesado do Gabriel. - De novo Sandro.
Foi quando ela reparou novamente nele, dessa vez não para uma nova análise. Ela não sabia se era apenas impressão, mas Eduardo parecia inquieto e isso chamou sua atenção. Ora trocava de posição em sua cadeira parecendo não achar posição confortável, ora cutucava a mesa, impacientemente, com seus quatro dedos da mão direita. Já não tinha a mesma atenção nas conversas e, às vezes, com olhos um pouco vidrados, parecia repassar palavras para si mesmo em sussurros, parecendo não querer que notassem. "Deve ser uma nova composição". Ele tinha o hobby de fazer músicas e ela sabia que ele era muito bom nisso com seu violão. Como agora se esforçava para perder a mania de interpretar tudo o que ele fazia como sendo em relação à ela, perdeu o interesse na situação ao ver, no jeito dele, apenas um modo de se distrair do tédio que poderia estar começando a sentir. Ela se viu com sono e recostou em seu banco. Ficou despreocupada.
Foi quando, deliberadamente, olhou ao redor e alguém a estava encarando. Seu coração pulou para cento e vinte batimentos em meio segundo e todo o seu corpo formigou. Ele a estava encarando. Eduardo a estava encarando muito e não desviava o olhar por nada. Aquela pontinha de esperança, de sempre, apareceu. E, no mesmo instante, foi apagada quando lembrou que era sempre assim. Essa era uma daquelas brechas que ele parecia dar e que sempre era anulada, minutos depois. Quem desviou o olhar foi ela. Abaixou a cabeça para tentar se estabilizar daquele banho de adrenalina. E sentia que continuava sendo observada, mas não se ergueu, não quis se iludir mais uma vez. Continuou olhando para seu all-star amarelo esperando que o par ganhasse vida e a levasse para outro lugar onde o nome daquele menino saísse de sua cabeça de uma vez por todas.
Perdeu a noção de quanto tempo ficou abaixada, variando da análise de seu tênis ao piso do bar. E resolveu se voltar para a mesa e encará-lo para ver de que maneira a brecha iria ser quebrada dessa vez. E também não era muito educado, para com seus amigos, preferir dar mais atenção ao chão do que à eles. Então, ela olhou. E, então, ela não viu. Ele não estava mais ali. Olhou ao redor com desespero e não o viu. Notou que seus amigos perceberam seu movimento exagerado. Mas não ligou na hora. Não vê-lo foi como um golpe em seu estômago, fazendo-o murchar e entortar, resultando em uma sensação nauseante. Sentiu um torpor no corpo e certo volume na garganta. Na verdade, aquela esperança não tinha ido embora totalmente. Nunca ia. "Onde pode ter ido? Não foi embora, foi?"

Viviane Botelho

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Parte I - Estavam todos rindo,

aproveitando aquele fim de semana raro em que ninguém viajava. Afinal, cada um já estava indo para o seu canto e construindo sua própria vida. A distância e a saudade eram inevitáveis e, mesmo assim, aquele grupo de jovens amigos insistia em se encontrar quando possível, como naquela noite, naquele bar. Era um lugar sofisticado e simpático de tom rústico, onde sempre costumavam se encontrar em quase todos os finais de semana antes de as faculdades e os trabalhos começarem a surgir e interferir. Aquele "quê" de aconchego, com sofás isolados e bancos acolchoados, dava um ar agradável ao ambiente e, talvez por isso, fazia a clientela ser boa. Aquelas mesas marrons redondas eram sempre motivo de implicância, até porque juntá-las para umas 10 pessoas não era uma tarefa muito fácil. Mas, como jovem se diverte com pouco entre amigos, uma chateação costuma ser motivo de piada.
E lá estava ela. Simpática, animada, tão ruiva quanto nunca e pronta pra rir de um novo comentário ou inventar outro. A menina eternamente apaixonada pela vida e constantemente apaixonada por ele, o menino mais quieto que estava lá à uma distância de dois amigos à sua esquerda. Ele estava perto, mas longe para ela, muito longe do seu entendimento, pois nunca soube lê-lo, não aprendeu. E ela alimentava um sentimento bonito por ele. Era um sentimento tranquilo, saudoso e amigável, mas que descobriu ser, sim, paixão. Já não tinha dúvidas. Talvez, por isso, levasse a vida normalmente sem sentimentos exagerados em que o ser amado não sai do pensamento e interfere em toda rotina. Ela sabia viver sua vida como qualquer outra garota, só que matinha um sentimento como que guardado para alguma ocasião inusitada. Era assim: "Apenas sei que gosto muito dele. Ele na vida dele e eu na minha". Mas, definitivamente, era paixão, pois vê-lo, desde anos que o conhecia, fazia a menina super equilibrada ficar consternada. A presença dele fazia com que as palavras em sua mente fossem estritamente medidas antes de qualquer sinal de fala. Não poderia haver erro algum. E sempre errava. Aquela preocupação toda fazia as palavras tropeçarem, ou, quando conseguia falar como queria, acabava por finalizar com uma risada muito exagerada que logo revelava as bochechas ruborizadas. Mas não sabia se ele percebia o deslize. Melhor que não percebesse, porque ela automaticamente anulava aquela cena de sua mente.
Já havia desistido, há um bom tempo, de investir nele por nunca saber o que fazer. Às vezes, ele falava e agia de uma maneira que parecia dar brecha para uma atitude dela, mas, em seguida, fazia algo totalmente incoerente que quebrava qualquer certeza construída. Tudo voltava à estaca zero. Não era nada que ele fizesse de errado com ela, mais parecia falta de tato ou de percepção. Ela se irritava com isso e, ainda assim, não se desvencilhava daquele sentimento. Não importava a distância, não importava o tempo sem ter notícias dele, era em um "oi" que todas as sensações que pareciam esquecidas voltavam, uma a uma, de novo e de novo. Ela não entendia como, depois de anos, essas sensações perduravam. Chegou a pensar que o amava, um amor contido querendo ser descoberto, mas que se escondia por medo. E, na verdade, essa hipótese nunca saíra de sua cabeça, só estava longe de arriscar em apostar nela para não se machucar.
A cabeça dele sempre foi uma incógnita. E em meio a copos de cerveja, amigos e burburinho de conversas paralelas, não pode deixar de pensar naquilo. Foi o momento em que a menina alegre ficou séria. Não conseguia deixar de tentar lê-lo mais uma vez. "Talvez eu consiga". O foco de seu olhar era o rosto daquele belo menino de cabelos curtos e negros e de pequenos olhos cor de mel um tanto tímidos. Cada traço do seu rosto lhe parecia perfeito. O cabelo desgrenhado e a barba por fazer estavam em perfeita harmonia. O jeito como ria das conversas era hipnotizante para aquela menina que o analisava e apreciava com cautela. Não queria que percebessem e conseguia bem isso. Mas se frustrou novamente. "Já deveria ter me acostumado". Não via nenhum comportamento diferente nele. Seria assim sempre.

Viviane Botelho

terça-feira, 1 de junho de 2010

Eram Meus

Esses dias, eu tava conversando com uma amiga minha, uma dessas conversas mais filosóficas sobre o dia-a-dia, e chegamos a conclusão que nós já perdemos muita coisa, muitas manias, gostos, jeitos de ser e, infelizmente, até amigos. Em meio a tantos livros, cadernos, anotações e energéticos, quase não vejo como mudei e me tornei diferente em relação à tudo. Foi na minha falta de tempo pra fazer as coisas mais bobas, mas que tanto me davam prazer, que refleti e senti saudade. Era bom roubar a tarde inteira dormindo, todos os dias da semana, sem preocupação, assim como eu adorava alugar 5 filmes de uma vez e ver todos pra entregar no dia seguinte. Ainda tinham aquelas noites lendo os "Harry Potters" um atrás do outro sem nem ligar pra ter que acordar cedo. Mas, nossa, do que mais sinto saudade são dos desenhos animados. Meus desenhos animados, meu mundo. Ninguém podia ver televisão no horário dos meu desenhos. Nem por um decreto! Mas uns acabaram, outros não passam mais. Confesso que é inevitável a pontinha de inveja que sinto ao ver o meu irmão mais novinho se divertindo vendo aqueles novos desenhos que são o mundo dele (cada desenho esquisito!). O bom é lembrar em como eu era fiçurada neles, naqueles desenhos da minha idade. Eram meus desenhos animados, só meus. E eu amava.


Viviane Botelho

O Universo agradece