domingo, 1 de agosto de 2010

Parte IV - Entraram nos carros

de acordo com a divisão que André havia feito. Sandro e Gustavo foram no Jipe de Robson e Ivie, Gabriel e Daniel no Gol de André. Ivie ficou no banco de trás junto com Gabriel, o qual parecia não ter noção nem do planeta em que vivia. Durante o trajeto, teve que aguentá-lo tombando para todos os lados, sendo ela um dos alvos. Já estava certa que as cabeçadas e ombradas que levava dele seriam hematomas no dia seguinte. Mas o segurava e protegia na medida do possível. Antes ela com alguns pontos doloridos do que o risco de ele se machucar seriamente, no estado em que estava, por descaso de amigos.
- Daniel, num acha melhor a gente levar o Gabriel pra dormir lá em casa? - perguntou André.
- Por mim, tanto faz. - respondeu Daniel.
- Po, o cara nunca ficou assim. A gente forçou muito a barra pra ele beber e, mesmo os pais dele sendo gente boa, não é legal ver o cara nesse estado.
- Beleza, só vai ter que ligar pra eles avisando, né?
- Faço isso quando a gente chegar. Vou levar você em casa agora então, Ivie.
- Uhum, tudo bem. - Respondeu Ivie com Gabriel deitado em seu colo. Ela não sabia se estava tudo bem ou não. Era tudo mais ou menos. Ir para casa agora ou depois não faria diferença nenhuma, porque ela já não dava a mínima para o que fazer ou deixar de fazer. Ivie estava totalmente entorpecida e sem reação por tamanho desgosto que sentia. A única coisa que conseguia ter foco em fazer era segurar Gabriel. Mais nada.
O carro foi desacelerando e Ivie reconheceu aquela esquina. André parou na calçada que dava para um pequeno portão de grades brancas. Um caminho rodeado de jardins e árvores se revelava antes de chegar a porta principal. Ela estava em casa. Devagar, empurrou Gabriel de seu colo de modo que continuasse a dormir, mas deitado no banco do carro. Se despediu dos irmãos que estavam nos bancos dianteiros e fechou a porta. Observou o carro até sumir em uma curva.
- Fazer o que né... - Disse para si mesma enquanto abria o portão para entrar. Ivie estava mergulhada em devaneios e inquietações com todas as lembranças de Eduardo que acabava por relembrar. Estava cansada de tudo terminar sempre na mesma situação. "Que saco!" Chutou uma das plantas e sentou com raiva em um banco de pedra que ficava no meio do jardim. Cruzou uma perna na outra em cima do banco e começou a chorar. Lágrimas de desapontamento desciam impiedosamente. Ela não emitia som algum, apenas ficou ali com seu olhar fixo em um ponto qualquer do chão e sem nenhuma expressão. Era quase uma estátua de chafariz derramando suas lágrimas mentirosas.
Estava tão absorta em seus pensamentos que não ouviu, vindo de entre as árvores, barulhos de folhas sendo pisadas. As pegadas se aproximavam cada vez mais. Ela só se deu conta que alguma coisa havia de diferente quando sentiu uma respiração em seu ombro. Foi tomada pelo susto e levantou rapidamente se virando para ver quem a estivera vigiando.
- Dudu?!! - Não acreditou no que viu. Eduardo estava todo suado e sujo. Seu estado, junto com sua expressão, poderia ser comparado a de um coelho fugindo de seu predador. Nunca o vira daquela maneira. Sua característica expressão de indiferença e, às vezes, de quase superioridade estavam totalmente ausentes como se jamais houvessem perpassado aquele rosto. Ele nunca estivera tão vulnerável. Nunca estivera tão lindo.
Ivie tratou de enxugar suas lágrimas tremendo. Não entendia nada do que estava acontecendo.
- Você é maluco? O que tá fazendo aqui? Por que me assustou desse jeito? Por que foi embora daquele jeito? Por que você está desse jeito? - Ela nem sabia o que perguntar exatamente. Metralhou perguntas.
- Ivie, desculpa. Ai... que que eu to fazendo? Me desculpa de novo, Ivie. Eu vou embora. - Ele parecia tremer tanto quanto ela e começou a andar meio sem direção.
- Não, fala o que foi. Você veio até aqui, tem que ter alguma explicação pra dar. - Ela não sabia como tinha conseguido dizer aquela frase sem se embolar. Seus pensamentos não estavam funcionando como deveriam.
- Eu não aguento mais!
- Não aguenta mais o que, Eduardo? Não to entendo nada.
- Que droga! Não posso falar.
- Você já começou. Por que ficou tão esquisito hoje? Por que sempre fica esquisito comigo? Você parece que foge de mim. A gente se conhece há tanto tempo e é sempre assim! Você vem me irritando muito por isso. - Ela já não pensava em medir suas palavras. Começou a dizer tudo o que nunca teve coragem de dizer a ele.
- Não fala assim, Ivie. Eu gosto muito de você.
- Se gostasse, suas atitudes seriam outras.
- Não! Não é bem assim ... - Ele quase arrancava os cabelos enquanto falava. Parecia não saber o que fazer ou como fazer.
- Como é então? Me faz entender o que há mais de 9 anos não entendo.
- Tudo bem. Não posso mais guardar isso pra mim. Me mata todos os dias não poder fazer nada.
- Fala logo!!
- O Robson é apaixonado por você, Ivie. Me fez jurar desde tantos anos que eu não diria nada, mas que o ajudaria em relação a você. - "Ahhhhhhhhh? O Robson?" Aquilo foi uma revelação estranha para ela.
- Isso não faz sentido! Nunca notei nada.
- Na verdade, você nunca parou pra notar. Sempre pareceu dar mais atenção a mim do que à ele.
Ela ficou envergonhada quando ele disse isso. "Era tão fácil assim notar isso?" Mas o que não entendeu ali foi o porquê de aquilo deixar Eduardo tão desesperado.
- Essa sua atenção comigo nunca me foi um problema, mas sim com o Robson. Hoje não aguentei. Quando olhei pra você, voltou tudo! Tive que ir embora antes que fizesse alguma coisa errada na frente dele.
"Opa! Peraí, será que ele .... ?"
- Eu... Ivie... bem, não sei como te dizer ... - "É, eu acho que sim!!" - Faz tanto tempo que crio forças pra te contar, mas aí penso no Robson, sempre meu amigão, e nunca consigo. - "Ah, não, você tem que falar!" - Acho sacanagem com ele, mas o que sinto já existia antes mesmo dele. Quando me disse que gostava de você, meu mundo desabou. - "Isso, continua falando." - Passei a fingir todos os meus sentimentos e a tentar bloquear meus pensamentos. - Ele estava elétrico. Parecia não ter certeza se fazia o certo, se ficava ou fugia. Mas já não conseguia parar de falar, e Ivie começava a entender tudo. Respostas estavam sendo dadas. Tudo começava a fazer sentido. Ela quase não se continha de felicidade. Agora ela o via como sempre quis: sem mistérios.
- De uns tempos pra cá, venho reconsiderando a ideia de conversar com você. Repasso tudo pra mim mesmo pensando no melhor jeito, nas melhores palavras...
Foi quando ela teve um flash de Eduardo inquieto e murmurando algo para si quando ainda estavam no bar. Agora ele estava muito nervoso. Em sua expressão, o medo e a insegurança eram personificados com a mais total perfeição. A sensação era de que a qualquer momento ele sairia correndo pelos jardins de nervosismo e se tele transportasse de alguma forma. Ivie ardia de paixão como nunca por aquele menino. Levava agulhadas doloridas no peito por tamanho sentimento.
- Ivie... o que eu quero dizer é que - "Fala logo! Eu também amo você!" Ele chegou mais perto e pegou em sua mão. Ela ficou tonta. Vertigem. Poderia desmaiar a qualquer momento, mas estava atenta, precisava estar. - Eu...
Algo estranho aconteceu. Seus lábios pronunciaram algo, mas ela não conseguiu ouvir. Quando pediu para que Eduardo repetisse, sua própria voz não saiu. Colocou a mão em sua garganta achando tudo muito esquisito, mas não parecia haver nada de errado. Notou que ele continuava falando e que ela não escutava uma palavra sequer. Começou a entrar em pânico. Nesse momento, a expressão dele mudou, ficou calmo e indiferente. Tudo mudou do nada. Largou a mão de Ivie, levantou e começou a se distanciar. Ela quis gritar, mas ainda não havia ruído algum. Resolveu correr atrás dele, mas se viu sem movimentos, presa no lugar onde estava. Não entendeu absolutamente nada. Começou a se debater e seus olhos romperam em lágrimas novamente, mas desesperadas. Começou a chorar descontroladamente. Estava em agonia. Não conseguia ouvir, não conseguia falar e nem ao menos se movimentar. Justo naquele momento mais precioso em que tudo parecia que se resolveria de uma vez por todas. Sua agonia só crescia em só ter a capacidade de assistir Eduardo se afastando cada vez mais, virando as costas e, por fim, se misturando com as árvores e a visão noturna. Não podia acreditar que tudo estava estragado dessa maneira tão estúpida. Tudo acabado sem que ao menos pudesse entender alguma coisa.
As cores do ambiente começaram a se misturar. Sua visão ficou turva. A escuridão da noite a engoliu, abruptamente. Quem se tele transportou foi ela, não ele.

Viviane Botelho

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