quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Querido

Não sei se corro do teu querer
Ou se fico pro teu prazer.
Mas se fico pro teu prazer, corro do meu querer,
E se corro do meu querer, fico sem o meu prazer.

Teu espaço me inclui ao lado
Do teu braço no meu abraço.
Mas teu abraço não se inclui no meu espaço.
Se a distância ao seu lado é menor que a de um braço,
Você me faz mudar de lado:
Querer que a nossa distância se torne a mesma do Espaço.

Não sou a única mulher pra você,
Mas sou mulher no meu único jeito de ser.
Se o meu único jeito de ser me faz única pra você,
Lamento que escolha a mulher que, unicamente, o quer
Sem ao menos o querer.

Entendo que sofro 
Ao não querer te ver sofrer. 
Querido, de uma vez por todas, 
Prefiro não ter você.







                                                                                                          photo: web







Viviane Botelho



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Aproveitando o Dia dos Pais

Semana passada, estive em uma clínica geriátrica. Fui com meu pai, minha mãe e meu irmão. Tocamos o interfone e uma moça, com voz despreocupada, perguntou quem era. Ao ouvir o nome do meu pai, nos deixou entrar. Chegamos a uma ampla recepção - ampla considerando a maioria das recepções que são pequeníssimas e com mais revistas do que assentos. A moça que nos havia atendido no interfone pediu que esperássemos. Sentamos em um sofá que dava de frente para uma poltrona onde havia um casal de bonecos idosos que era de se encantar. A atenção de nós quatro estava fixada naqueles bonecos um tanto mal ajeitados na poltrona. Me levantei e tentei arrumar melhor, o que, vindo de uma pessoa desajeitada como eu, não resultou em nada. Foi meu pai quem tomou meu lugar e os colocou em uma posição melhor. Ficamos admirando. Mais ainda eu, que sou apaixonada por velhinhos!
Uma moça nos chamou para ajudá-la do outro lado da porta. E lá estava ele. Meus olhos, mesmo ainda sem vê-lo por completo, se encheram de lágrimas, engolidas na mesma fração de segundos. Não ia querer que meu avô me visse chorando. Mesmo ele não lembrando quem eu era por causa daquela droga de Alzheimer, ele perguntaria pelo choro. Eu não gostaria de explicar.
Aqui eu explico.
Meu quase choro foi de susto, de espanto, pasmo! - encontre todos os sinônimos pra essas palavras que elas traduzirão o que senti. Fazia pouco menos de 6 meses que não via meu avô por causa da distância que nos separa. E na última vez eu estava na casa dele, com ele falando meu nome, andando tranquilamente pelos cômodos e conversando sem a menor dificuldade. 6 meses depois preciso ir à uma clínica para visitá-lo e ter a vontade de chorar por nem precisar ver seu rosto, mas só pelo fato de uma das enfermeiras nos chamar para ajudá-lo a andar até onde estávamos.

Como assim?

- Meu avô uns 10 quilos mais magro?
- Meu avô se arrastanto para andar?
- Meu avô tremendo a boca pra falar?
- Meu avô com a língua pra fora como se fosse uma criança pedindo comida?
- Meu avô esquecendo as palavras?
- Meu avô esquecendo os parentes?
- Meu avô querendo pedir água aos bonecos na nossa frente pensando que eram pessoas?
- Meu avô achando que eu fosse uma das enfermeiras?

Ah, meu avô... que durante a sua vida foi um militar extremamente rígido (e encho a boca pra falar que ele chegou a ser motorista de Getúlio Vargas); que sempre tentou fazer tudo que pra ele parecesse a maneira mais correta, no pensar, no falar, no andar, no agir; que sempre foi estudioso, inteligente, interessado; que sempre foi dono de respostas coesas e indagações pertinentes; que descobriu na igreja o único lugar para reconfortar sua alma; que sempre se preocupou com sua família grande de 8 filhos mesmo sem muito sentimentalismo (a profissão influenciava nessa exposição sentimental).
Mas ele aprendeu, com os anos, a amolecer o coração que mais parecia um recruta no quartel, mostrando o pai, o avô e, já, bisavô amoroso que verdadeiramente é.
Com tudo aquilo passando na minha cabeça ao mesmo tempo, eu tinha o meu sorriso mais sincero no rosto ao conversar com ele. Disse que era sua neta e tive o maior orgulho em relembrá-lo de que meus olhos verdes eram total herança dele. Me respondeu meio rabugento que era mentira. Eu garanti que eram e ele riu.
Se eu estava daquela maneira, parei pra pensar no meu pai, ali, envolvendo meu avô, seu pai, durante todo o momento. Certamente, muito pior pra ele do que pra mim. E ele chorou, de maneira um tanto despercebida, mas chorou. Foi rápido. Coisa raríssima de se ver. Conto nos dedos as vezes que vi meu pai chorar.

- Quem diria, dois tipos de pessoas "duronas" ali na minha frente, tão vulneráveis quanto nunca.
Pai e filho ... e filha.

Como a vida é frágil. Como tudo pode mudar de maneira tão inesperada.
Sinto saudade daquele "ô, minha neta" que ele sempre costumava dizer, porque sei que não vou ouvir de novo. Sinto saudade de ver aquela estante cheia de livros e fitas cassetes na sala dele - tudo anotado e enumerado em seu caderninho. Sinto saudade dele sendo como ele, sem uma doença degenerativa atrapalhando o caminho.
Bem, eu, sinceramente, descanso em Deus e deixo a vida caminhar como deve.

Termino meu texto - desabafo - com a frase que ele mesmo usou, surpreendendo a todos, quando estávamos nos despedindo:

- Foi um prazer incomensurável ter vocês aqui!

(orgulho de neta)


Viviane Botelho

Sorrateiro

Olha como o entardecer vem sorrateiro.
É lindo!
Você.
O arrebol é teu corpo inteiro.





                                                                                                                photo: web







Viviane Botelho



domingo, 1 de agosto de 2010

Final – A sensação era boa

e tudo estava muito confortável. Aquela agonia e aquele pânico haviam sumido por completo. Estava segura e muito bem aquecida. Abriu os olhos e olhou para aquele teto lilás cheio de estrelinhas coladas tão familiar. Piscou algumas vezes e sentiu a sensação boa dar lugar à tristeza. Uma amargura profunda inundou Ivie ao reconhecer seu quarto e ao se ver na cama onde, segundos atrás, sonhava com algo tão real, nítido e tão impactante. "Arghhhh!"
Estava embrulhada em uma infinidade de cobertores que chutou com muita raiva. Ela conseguiu montar um filme em sua cabeça para acordar e se sentir mal por ver que era tudo mentira. "Que ótimo!"
- Por que eu não sonhei que tinha atropelado um cachorro? Tava bom já! Muito mais simples.
Levantou para ir ao banheiro antes que resolvesse chutar mais alguma coisa. Ter tropeçado em um all-star amarelo no meio do caminho não melhorou seu humor. Quando estava escovando seus dentes e se irritando a cada vez que se olhava no espelho, ouviu a introdução de "Gives you Hell - The All-American Rejects" vindo do quarto. Era o alarme do seu celular marcando 7 horas da manhã para ir a faculdade em pleno sábado. Ela havia esquecido de desativar o alarme (como era de costume). Mas não podia ficar mais irritada do que já estava.
Terminou de escovar os dentes rápido para ir desligar o alarme. Foi quando notou uma mensagem não lida em seu celular que havia recebido às 23:14 do dia anterior. Já estava dormindo a essa hora, por isso não viu. Era uma mensagem de André. Ela já imaginava o que poderia ser.
- "Ivie, vamo no clube?" - pressupôs Ivie em voz de deboche - Ah, é, ótimo! Tudo que eu preciso é do André me bajulando todo animado pra ir pra algum lugar, claro! - Ainda irritada, apertou a opção "ver" em seu celular e leu a mensagem:

Ivie, o pessoal tá aqui na cidade. Tava afim de juntar todo mundo como a gente fazia antes. A gente podia ir naquele bar que a gente sempre ia. Po, cara, mó saudade! Só falta você confirmar. Já falei com o Sandro, com o Gustavo, o Robson, o Gabriel e o Dudu também confirmou. O chato do Daniel vai também. A gente tá querendo embebedar o Gabriel. Ele tem que ficar ruim uma vez na vida, né. rs Você tem que ir, cara. Bendito o fruto entre os homens sempre! hehe Beijo.


Viviane Botelho

Parte IV - Entraram nos carros

de acordo com a divisão que André havia feito. Sandro e Gustavo foram no Jipe de Robson e Ivie, Gabriel e Daniel no Gol de André. Ivie ficou no banco de trás junto com Gabriel, o qual parecia não ter noção nem do planeta em que vivia. Durante o trajeto, teve que aguentá-lo tombando para todos os lados, sendo ela um dos alvos. Já estava certa que as cabeçadas e ombradas que levava dele seriam hematomas no dia seguinte. Mas o segurava e protegia na medida do possível. Antes ela com alguns pontos doloridos do que o risco de ele se machucar seriamente, no estado em que estava, por descaso de amigos.
- Daniel, num acha melhor a gente levar o Gabriel pra dormir lá em casa? - perguntou André.
- Por mim, tanto faz. - respondeu Daniel.
- Po, o cara nunca ficou assim. A gente forçou muito a barra pra ele beber e, mesmo os pais dele sendo gente boa, não é legal ver o cara nesse estado.
- Beleza, só vai ter que ligar pra eles avisando, né?
- Faço isso quando a gente chegar. Vou levar você em casa agora então, Ivie.
- Uhum, tudo bem. - Respondeu Ivie com Gabriel deitado em seu colo. Ela não sabia se estava tudo bem ou não. Era tudo mais ou menos. Ir para casa agora ou depois não faria diferença nenhuma, porque ela já não dava a mínima para o que fazer ou deixar de fazer. Ivie estava totalmente entorpecida e sem reação por tamanho desgosto que sentia. A única coisa que conseguia ter foco em fazer era segurar Gabriel. Mais nada.
O carro foi desacelerando e Ivie reconheceu aquela esquina. André parou na calçada que dava para um pequeno portão de grades brancas. Um caminho rodeado de jardins e árvores se revelava antes de chegar a porta principal. Ela estava em casa. Devagar, empurrou Gabriel de seu colo de modo que continuasse a dormir, mas deitado no banco do carro. Se despediu dos irmãos que estavam nos bancos dianteiros e fechou a porta. Observou o carro até sumir em uma curva.
- Fazer o que né... - Disse para si mesma enquanto abria o portão para entrar. Ivie estava mergulhada em devaneios e inquietações com todas as lembranças de Eduardo que acabava por relembrar. Estava cansada de tudo terminar sempre na mesma situação. "Que saco!" Chutou uma das plantas e sentou com raiva em um banco de pedra que ficava no meio do jardim. Cruzou uma perna na outra em cima do banco e começou a chorar. Lágrimas de desapontamento desciam impiedosamente. Ela não emitia som algum, apenas ficou ali com seu olhar fixo em um ponto qualquer do chão e sem nenhuma expressão. Era quase uma estátua de chafariz derramando suas lágrimas mentirosas.
Estava tão absorta em seus pensamentos que não ouviu, vindo de entre as árvores, barulhos de folhas sendo pisadas. As pegadas se aproximavam cada vez mais. Ela só se deu conta que alguma coisa havia de diferente quando sentiu uma respiração em seu ombro. Foi tomada pelo susto e levantou rapidamente se virando para ver quem a estivera vigiando.
- Dudu?!! - Não acreditou no que viu. Eduardo estava todo suado e sujo. Seu estado, junto com sua expressão, poderia ser comparado a de um coelho fugindo de seu predador. Nunca o vira daquela maneira. Sua característica expressão de indiferença e, às vezes, de quase superioridade estavam totalmente ausentes como se jamais houvessem perpassado aquele rosto. Ele nunca estivera tão vulnerável. Nunca estivera tão lindo.
Ivie tratou de enxugar suas lágrimas tremendo. Não entendia nada do que estava acontecendo.
- Você é maluco? O que tá fazendo aqui? Por que me assustou desse jeito? Por que foi embora daquele jeito? Por que você está desse jeito? - Ela nem sabia o que perguntar exatamente. Metralhou perguntas.
- Ivie, desculpa. Ai... que que eu to fazendo? Me desculpa de novo, Ivie. Eu vou embora. - Ele parecia tremer tanto quanto ela e começou a andar meio sem direção.
- Não, fala o que foi. Você veio até aqui, tem que ter alguma explicação pra dar. - Ela não sabia como tinha conseguido dizer aquela frase sem se embolar. Seus pensamentos não estavam funcionando como deveriam.
- Eu não aguento mais!
- Não aguenta mais o que, Eduardo? Não to entendo nada.
- Que droga! Não posso falar.
- Você já começou. Por que ficou tão esquisito hoje? Por que sempre fica esquisito comigo? Você parece que foge de mim. A gente se conhece há tanto tempo e é sempre assim! Você vem me irritando muito por isso. - Ela já não pensava em medir suas palavras. Começou a dizer tudo o que nunca teve coragem de dizer a ele.
- Não fala assim, Ivie. Eu gosto muito de você.
- Se gostasse, suas atitudes seriam outras.
- Não! Não é bem assim ... - Ele quase arrancava os cabelos enquanto falava. Parecia não saber o que fazer ou como fazer.
- Como é então? Me faz entender o que há mais de 9 anos não entendo.
- Tudo bem. Não posso mais guardar isso pra mim. Me mata todos os dias não poder fazer nada.
- Fala logo!!
- O Robson é apaixonado por você, Ivie. Me fez jurar desde tantos anos que eu não diria nada, mas que o ajudaria em relação a você. - "Ahhhhhhhhh? O Robson?" Aquilo foi uma revelação estranha para ela.
- Isso não faz sentido! Nunca notei nada.
- Na verdade, você nunca parou pra notar. Sempre pareceu dar mais atenção a mim do que à ele.
Ela ficou envergonhada quando ele disse isso. "Era tão fácil assim notar isso?" Mas o que não entendeu ali foi o porquê de aquilo deixar Eduardo tão desesperado.
- Essa sua atenção comigo nunca me foi um problema, mas sim com o Robson. Hoje não aguentei. Quando olhei pra você, voltou tudo! Tive que ir embora antes que fizesse alguma coisa errada na frente dele.
"Opa! Peraí, será que ele .... ?"
- Eu... Ivie... bem, não sei como te dizer ... - "É, eu acho que sim!!" - Faz tanto tempo que crio forças pra te contar, mas aí penso no Robson, sempre meu amigão, e nunca consigo. - "Ah, não, você tem que falar!" - Acho sacanagem com ele, mas o que sinto já existia antes mesmo dele. Quando me disse que gostava de você, meu mundo desabou. - "Isso, continua falando." - Passei a fingir todos os meus sentimentos e a tentar bloquear meus pensamentos. - Ele estava elétrico. Parecia não ter certeza se fazia o certo, se ficava ou fugia. Mas já não conseguia parar de falar, e Ivie começava a entender tudo. Respostas estavam sendo dadas. Tudo começava a fazer sentido. Ela quase não se continha de felicidade. Agora ela o via como sempre quis: sem mistérios.
- De uns tempos pra cá, venho reconsiderando a ideia de conversar com você. Repasso tudo pra mim mesmo pensando no melhor jeito, nas melhores palavras...
Foi quando ela teve um flash de Eduardo inquieto e murmurando algo para si quando ainda estavam no bar. Agora ele estava muito nervoso. Em sua expressão, o medo e a insegurança eram personificados com a mais total perfeição. A sensação era de que a qualquer momento ele sairia correndo pelos jardins de nervosismo e se tele transportasse de alguma forma. Ivie ardia de paixão como nunca por aquele menino. Levava agulhadas doloridas no peito por tamanho sentimento.
- Ivie... o que eu quero dizer é que - "Fala logo! Eu também amo você!" Ele chegou mais perto e pegou em sua mão. Ela ficou tonta. Vertigem. Poderia desmaiar a qualquer momento, mas estava atenta, precisava estar. - Eu...
Algo estranho aconteceu. Seus lábios pronunciaram algo, mas ela não conseguiu ouvir. Quando pediu para que Eduardo repetisse, sua própria voz não saiu. Colocou a mão em sua garganta achando tudo muito esquisito, mas não parecia haver nada de errado. Notou que ele continuava falando e que ela não escutava uma palavra sequer. Começou a entrar em pânico. Nesse momento, a expressão dele mudou, ficou calmo e indiferente. Tudo mudou do nada. Largou a mão de Ivie, levantou e começou a se distanciar. Ela quis gritar, mas ainda não havia ruído algum. Resolveu correr atrás dele, mas se viu sem movimentos, presa no lugar onde estava. Não entendeu absolutamente nada. Começou a se debater e seus olhos romperam em lágrimas novamente, mas desesperadas. Começou a chorar descontroladamente. Estava em agonia. Não conseguia ouvir, não conseguia falar e nem ao menos se movimentar. Justo naquele momento mais precioso em que tudo parecia que se resolveria de uma vez por todas. Sua agonia só crescia em só ter a capacidade de assistir Eduardo se afastando cada vez mais, virando as costas e, por fim, se misturando com as árvores e a visão noturna. Não podia acreditar que tudo estava estragado dessa maneira tão estúpida. Tudo acabado sem que ao menos pudesse entender alguma coisa.
As cores do ambiente começaram a se misturar. Sua visão ficou turva. A escuridão da noite a engoliu, abruptamente. Quem se tele transportou foi ela, não ele.

Viviane Botelho

O Universo agradece